Gramado, na Serra Gaúcha, é um dos destinos turísticos mais procurados do Brasil. Gastronomia, belezas naturais, museus e seu clima de montanha, estão entre seus atrativos. Em julho de 1987, um grupo de amigos viajou com suas famílias até lá. Saíram de Brusque, Santa Catarina, com destino ao Hotel “Laje de Pedra”, um dos mais tradicionais da região. Meus pais estavam neste grupo, onde meu irmão Klaus e minha irmã, Marina também estavam, junto com vários amigos, que eram filhos das demais famílias do grupo.
O Hotel era excelente, estendendo-se por uma grande área, com diversas atrações para os hóspedes. Mesmo com a cidade oferecendo inúmeras opções de passeios, você poderia passar um bom tempo hospedado, entretido com as piscinas aquecidas, quadras de esportes, trilhas para caminhada e algo que chamou a atenção, não só minha, mas como de meus amigos: na sala de jogos haviam um “Fliperama” (como chamávamos os arcades naquela época) !
Sim, quando adentramos ao recinto, nossos olhos brilharam: “Commando”, “Karate Champ”, “Tokio”, “Rally X”, “Xevious”, “Galaga”, entre outros. No canto da sala, um gabinete novinho de “Pole Position” (como o adesivo “Mil Milhas”, como a Taito do Brasil nomeava o jogo na época, por aqui).
Aquela mistura de sons, de todas aquelas máquinas, em uma fase de ouro dos arcades, ainda soa como uma sinfonia em minhas lembranças. Por nossa sorte, as fichas para jogar nas máquinas custavam pouco. Tinham um preço especial para os hóspedes. Então uma gorjeta de nossos pais nos permitiam jogar muitas e muitas vezes.
Meu irmão Klaus, na época piloto profissional de Kart, tinha o “Pole Position” como seu jogo favorito. E ele tinha bom gosto, pois aquele jogo era sensacional. Mesmo sendo de 1982, era muito bem-feito e seu realismo e efeitos sonoros impressionavam.
Após nos instalarmos nos quartos, reconhecermos a área do Hotel, iniciamos os passeios pela cidade, mas querendo logo retornar, para poder jogar. Imediatamente fui pra máquina de “Commando”, que na época era ´novidade´. Meu irmão foi fazer sua primeira corrida, cravando um terceiro lugar na classificação geral. Um detalhe logo chamou sua atenção: todos as iniciais de jogadores com as cinco primeiras posições, eram as mesmas – VJB. De início pensamos que seriam as iniciais padrão, de quando você ligava a máquina e a classificação estava zerada para aquele dia. Klaus jogou mais algumas vezes, melhorando seu tempo, colocando suas iniciais – KPL – em diversas posições do ranking.
No dia seguinte, após o café da manhã e antes de um passeio, fomos até a sala de jogos. Uma das máquinas estava com defeito. Colocávamos as fichas e não iniciava os jogos. Então logo chegou um funcionário do Hotel, um senhor de bigode, que carregava um molho de chaves pendurado em seu cinto. Com uma das chaves, abriu a parte coletora de fichas, logo consertando o problema. Meu irmão foi fazer uma corrida com uma ficha apenas. Fez um ótimo tempo, podendo colocar suas iniciais no ranking. E novamente, entre as primeiras posições, todas eram “VJB”. Klaus me disse que aqueles tempos, do primeiro, segundo e terceiro lugares, eram muito baixos, difíceis de serem alcançados. Teria que fazer uma corrida “perfeita”, sem errar nenhuma curva ou troca de marcha.
Aquilo o deixou intrigado. Passou a frequentar mais a sala de jogos do que nós, “nerds” habituais de micros e consoles domésticos. Em certo momento, conseguiu um segundo lugar no ranking. Vibrou com suas iniciais ali na tela. Mas sua alegria não durou muito. Naquele mesmo dia, a noite, “VJB” estava novamente ocupando as primeiras posições, jogando “KPL” para um modesto quinto lugar. Foi quando nos demos conta que não eram iniciais da máquina, configuradas de fábrica, mas sim, de alguém no hotel, muito habilidoso (e competitivo).
Na manhã seguinte, a revelação. Um de nossos amigos, que havia acordado cedo e já frequentara o fliperama antes do café da manhã, nos trouxe a novidade: “VJB” era o técnico que havia consertado a máquina no dia anterior ! Ele era o primeiro a chegar na sala de jogos. Ligava todas as máquinas, recolhia as fichas, pois tinha todas as chaves das mesmas. E em seguida, sentava-se no Pole Position e ficava por algumas corridas ali.
Meu irmão, sabendo agora que seu algoz era real, passou a jogar ainda mais, levando a sério cada corrida, dando tapas no volante a cada erro cometido. Mas todo este treinamento valeu a pena. Naquela noite, o hotel realizou um bingo, na sala de convenções, próximo da sala de jogos. Quem estava cantando as pedras ? O próprio “VJB”. Era a deixa que Klaus precisava. Com diversas fichas na mão, jogou até conseguir realizar a corrida que estava almejando: o primeiro lugar no ranking! Anotamos o tempo que ele conseguira naquela corrida. Mais tarde, eis que “VJB” chegou e parou ao lado da máquina. Claramente foi checar o tempo e as iniciais e percebemos um belo sorriso, movimentando seu bigode de uma forma inconfundível, ao perceber que ele havia sido batido no jogo. Ele tentou disfarçar, mas olhou ao seu redor para tentar identificar quem era o dono daquele feito.
O dia da despedida chegou. Todos nós voltaríamos para casa, mas claro, não sem antes gastarmos as últimas fichas que haviam sobrado. Ao entrarmos na sala de jogos, nos deparamos com ele, “VJB”, jogando. Ficava engraçado com aquele terno justo e sapato que brilhava mais que as telas dos jogos no recinto. Ele tentou desesperadamente, mas não bateu o tempo que ele almejara desde o dia anterior. Estava nítido seu descontentamento. Ao sair da máquina, deixou o recinto por um tempo. Klaus foi fazer uma última tentativa e fez uma ótima corrida, colocando suas iniciais na primeira posição até aquele momento. Ao tirarmos nossos olhos do jogo, “VJB” estava em pé, atrás da máquina, balançando positivamente sua cabeça. Percebera naquele momento quem era seu oponente.
Tivemos que sair correndo, pois todos já aguardavam no lado externo, colocando as malas nos carros. Todos instalados, iniciamos a viagem, passando ao lado da entrada da recepção. “VJB” estava no lado de fora, e com um sorriso, acenou pra todos nós.
Nunca soubemos o seu nome ou o significado de “VJB”. Poderia ser Valério, Valdir ou Venâncio, mas nós e principalmente meu irmão, soubemos a emoção que aquela disputa trouxe. Uma rivalidade velada e o reconhecimento final entre grandes competidores.
Que lembrança boa, coisas que mãe não fica sabendo só muitos anos depois, e que trouxeram uma doce saudade de tempos que já se foram mas deixaram lembranças tão boas❤️❤️❤️
Delicia de “causo” se um dia for a Gramado tentarei deixar meu DCRL no top 10.
Adoro Pole Position e me tornei craque em correr na grama, em algumas curvas, um jogaço.
Grande Duda!
Parabéns pelo excelente post, Eduardo Loos.
Foi uma época realmente fantástica. Memórias de uma tempo maravilhosovque sempre povoam nossos pensamentos.
Simplesmente SENSACIONAL a história, ainda mais com os registros da época, vale ouro mesmo. Além do texto impecável. Obrigado por compartilhar, Eduardo!
Eduardo, parabéns por compartilhar este acontecimento emocionante, voltei no tempo… Obrigado