• 10 de junho de 2020
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Autor: Marcelo Mota

Minha família era muito pobre. Eu nasci praticamente na favela, nem banheiro tínhamos, mas graças aos meus pais, tive uma infância muito feliz! Sempre fui louco por videogames e ganhei meu primeiro console em 1983 (ano de lançamento do Atari Polyvox). Foi paixão a primeira vista! Eu não fazia mais nada, só queria jogar e jogar, sempre tive meus amigos trazendo uma caixa de sapatos cheia de cartuchos, todos os dias depois da aula, pra gente jogar (até a hora da novela, é claro). Que época mágica!

Pois bem, aos 16 anos resolvi sair de casa e buscar melhores oportunidades para ajudar a família e fui parar na distante Porto Alegre, um grande desafio para qualquer jovem com essa idade. Minha mãe ficou louca, mas eu sabia que, em breve, meus pais precisariam de ajuda, e assim foi, comecei como estoquista em uma franquia de uma marca de roupas no shopping Iguatemi.

Mineiro do interior, me lembro que eu abria a boca e o povo já começava a rir… Mergulhei no trabalho e me esforcei muito, e por 15 anos não pude mais jogar videogames, no inicio por não ter grana nem para comprar um cartucho, e depois de alguns anos, com a responsabilidade no trabalho cada vez maior, viagens frequentes e sem os amigos em casa pois estava longe de todos. Resumindo a história: consegui com muito esforço, chegar a diretoria nacional da marca, passando de estoquista à gerência de uma fábrica, com 2000 funcionários e uma cota de vendas de um bilhão de reais/ano. Assim a vida seguiu por muitos anos. Quando me dei conta, depois de 15 anos, eu estava do outro lado da moeda, agora o dinheiro vinha forte e sobrava muito, materialmente poderia ter o que eu quisesse, mas eu não tinha um minuto sequer de folga de domingo a domingo, então continuei sem jogar videogames.

Há 5 anos, comecei a pensar muito na minha infância e adolescência, e eu sempre pensava: “poxa, eu me divertia muito mais quando não tinha tanta responsabilidade e nem grana”. A saudade dos games começou a crescer e foi ficando muito forte, afinal os videogames, quase sempre, são uma das principais e mais divertidas lembranças na vida de muitas pessoas e comigo não foi diferente.

Um belo dia eu estava lendo um livro de filosofia, e lá tinha uma frase de Nietzsche, que dizia o seguinte :

Todo homem sábio deve trilhar este caminho: “camelo, leão e criança”. Eu saquei na hora o que ele queria dizer, eu já estava entre os leões… era só criar coragem.

Há 5 anos, meu irmão tragicamente faleceu em um acidente automobilístico. Eu estava em Dubai, a trabalho. A logística complicada e os atrasos nos voos fizeram eu perder o seu funeral. Foi um dos dias mais tristes da minha vida. Na manhã seguinte, criei coragem e pedi demissão de um emprego, que me rendia um excelente salário. Todo mundo me crucificou, achando que eu tinha ficado louco.

Vendi tudo que eu tinha em São Paulo e junto com minha esposa, escolhemos Balneário Camboriú, para o projeto que Nietzsche havia me alertado. Consegui diminuir tanto meus custos (afinal “criança” não tem boletos pra pagar), que hoje em dia nem carro tenho mais, sempre pensando na sequência que o filósofo me ensinou. Hoje com muita estratégia e foco, acredito ter conseguido voltar a ser criança, com 43 anos de idade !

Tenho um imóvel e vivo apenas com a renda dele e algumas consultorias esporádicas para antigos clientes, de meus tempos na indústria têxtil.

Se o foco era tentar voltar a ser criança, hoje jogo por muitas horas do dia. Pensem na felicidade, só faço o que eu fazia quando criança, acho que nunca estive tão feliz por poder voltar a jogar videogames; voltei a jogar futebol 3 vezes na semana; acordo tarde; tem dias que começo uma jogatina no Atari e vou madrugada a dentro.

E nesses dias eu percebo o quanto os games são importantes na minha vida: as 200 chamadas de celular ao longo do dia, foram trocadas por 2 chamadas da esposa.

Hoje, depois de tudo, eu tenho só uma certeza na vida: Tempo + videogames é muito mais importante do que ter dinheiro. Muito obrigado meu amigo Nietzsche! Você me ajudou a voltar a ser criança, e isso é bom demais.

Talvez eu esteja errado, mas acho que tem como trazer aquela época de volta sim, pois ela está aqui dentro de nós, sempre esteve, e a transição de volta exige muita força, mas não é impossível, ela é apenas difícil, pois a maioria dos dogmas sociais que nos prendem, são completamente sem coerência – é preciso apenas coragem (e uma esposa gamer ao lado, para apoiar).

Eu acredito que dá para voltar a ser criança.

E como já dizia Milton Nascimento: “há um menino, há um moleque morando dentro do meu coração, toda vez que o adulto balança, a criança me dá a mão!”

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